LogWeb – Logística nos padrões do ESG

Após assistir à palestra do Carlo Pereira (CEO da Pacto Global na ONU Brasil) na Interactive Retail Trends, tomei a liberdade de tentar traduzir o meu entendimento sobre o ESG, bem como “colocar a bola no chão” no que diz respeito a ações que poderiam ser implantadas no setor logístico.

Nos últimos anos, há uma demanda significativa para que as empresas comecem a aderir aos padrões e práticas de ESG, principalmente por parte de consumidores e investidores, que estão cada vez mais conscientes de sua importância.

Para contextualizar, o ESG (sigla que representa a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa) surgiu em publicação do Pacto Global da ONU de 2004 em parceria com o Banco Mundial como um desafio do então secretário-geral da ONU Kofi Annan para 50 CEO’s de grandes organizações financeiras de como integrar os princípios de ESG ao mercado de capitais. Desde lá, a pauta tem ganhado muita força e já se torna fator-chave de competitividade das empresas.

Não é à toa que executivos do porte de Larry Fink, CEO da BlackRock (empresa de gestão de investimentos com US$ 8,7 trilhões em ativos sob sua gestão), são tão intensos no tema. Em sua recente carta aos acionistas de 2022, dois comentários chamaram atenção:

“Todas as empresas e todos os setores serão transformados pela transição para um mundo de emissão zero. A pergunta é: você conduzirá ou será conduzido?”

“Nós nos concentramos em sustentabilidade não porque somos ambientalistas, mas porque somos capitalistas e fiduciários para nossos clientes.”

Em resumo, o objetivo de tal compromisso é mais do que apenas evitar a deterioração dos recursos naturais. É também combater a ausência de práticas corporativas voltadas para as políticas sociais e a falta de uma gestão íntegra.

ESG é mais que uma política de compensação. É uma estratégia sólida que deve ser planejada e incorporada em todas as ações da empresa.

As métricas ambientais ajudam o investidor a entender o relacionamento da empresa com a natureza enquanto as métricas sociais o ajudam a compreender a relação com os direitos humanos, com os trabalhadores e com o público em geral. Obviamente, organizações com boa governança são consideradas mais confiáveis e menos propensas às instabilidades.

No caso da Logística, percebemos que a grande maioria dos embarcadores, operadores logísticos e transportadores tem se voltado principalmente para a utilização de combustíveis mais limpos e renováveis. Vemos considerável quantidade de veículos elétricos e a gás sendo testados e utilizados.

Aqui cabe um conceito importante:

Greenwashing: quando a empresa diz adotar políticas sustentáveis porém, na realidade, não o faz. É ter um discurso diferente da prática. Algo incompatível com os princípios de ESG já que alguns dos principais pontos tem como foco a transparência da gestão, mostrando as ações da empresa para este contexto.

Percebemos que, com raras exceções, a aplicação de veículos com “combustíveis limpos” nas empresas se deve exclusivamente a marketing e não a uma implantação de estratégia robusta de ESG. Obviamente que, independentemente do motivo, o planeta agradece. Mas, talvez, esse mesmo entusiasmo que vemos nas ruas hoje em dia possa ser desdobrado em outras ações estruturantes que comento e sugiro abaixo:

Fonte: Politizei.com.br/esg

Social

Direitos do Trabalhador:

Uma estratégia clara de relações de trabalho, com remunerações e benefícios adequados, sem discriminação ou critérios preferenciais ou particulares.

Garantir um modelo de comunicação único, sempre claro e equalitário. Toda a comunicação da empresa deve estar com o “mindset” correto.

Ter políticas claras para garantir inclusão e diversidade. Criar cotas e buscar praticá-las. Vemos hoje uma grande dificuldade no processo de recrutamento, seja pela dificuldade de encontrar profissionais qualificados no mercado, seja pelo processo falho de recrutamento. Devemos garantir equilíbrio no quadro de funcionários. Não acredito que seja uma tarefa fácil e rápida, mas não pode ser desconsiderada.

Coloco aqui um desafio adicional: incentivar a formação e contratação de mulheres no Transporte Rodoviário de Cargas. Vemos uma boa representatividade quando falamos de áreas administrativas e comerciais, mas um enorme abismo na operação. Vejam que, em São Paulo, segundo o Sindicato das Empresas de Transporte de São Paulo – SETCESP, apenas 1,51% dos motoristas são mulheres. A Comjovem (Comissão de Jovens Empresários) da NTC&Logística vem fazendo um trabalho excelente na divulgação e apoio do tema.

Promoção de bem-estar e segurança no ambiente de trabalho.

As práticas de Segurança do Trabalho devem ser respeitadas e incluídas em políticas de bônus e premiações – desde o mais alto nível de liderança, passando por todos os funcionários. Essas metas devem ser compartilhadas para serem atingidas. Deve ficar claro que a Segurança do Trabalho é responsabilidade dos líderes e não como vemos comumente em empresas, onde a segurança é responsabilidade do Técnico ou Engenheiro de Segurança.

A busca de tecnologias e boas práticas deve ser constante. Vemos uma enorme evolução no Transporte Rodoviário com câmeras de fadiga, câmeras que se utilizam de IA (Inteligência artificial) para apoio na condução dos veículos, câmeras de monitoramento de ergonomia nos CDs, equipamentos automáticos ou semiautomáticos que suportam a qualidade, produtividade e saúde dos colaboradores.

Um outro ponto essencial de mudança cultural, e que deve ser pauta rotineira da liderança, é a compreensão de que o assédio moral não é um problema individual, mas sim enraizado em um contexto socioeconômico. Ou seja, a política de assédio moral deve ser rígida, divulgada e trabalhada no dia a dia. É implantação de cultura.

O cuidado com a saúde dos trabalhadores, não só com exames médicos, mas também em avaliações psicológicas. Sabemos que o “burnout” no Brasil é caso sério. Tratar como doença da moda não vai resolver. A perda de produtividade já foi comprovada e ações para combatê-lo já viraram questão de rentabilidade.

Canal de comunicação 100% isento para sugestão de melhorias e ouvidoria para funcionários, clientes e stakeholders em geral pode ser uma excelente ferramenta de melhoria contínua.

Projetos Sociais

Desenvolvimento de projetos sociais em geral e/ou apoio às comunidades locais com fornecimento de empregos ou até formação de pessoas. Tive diversas experiências com funcionários que se propunham a ensinar ou treinar pessoas da comunidade ou da própria empresa em assuntos diversos, sem remuneração (apenas custos de transporte e alimentação). Contudo, o canal de comunicação e estruturação do ambiente para isso não era favorável.

Formalizar contratualmente e auditar periodicamente o combate ao trabalho infantil e análogo à escravidão. Quantas vezes não vimos motoristas levando seus filhos na boleia (cabine) do caminhão em função de viagens no final de semana ou retorno para casa e que oportunamente se apoiavam neles na carga e descarga de forma despretensiosa? Será que temos essa visibilidade? Imaginem o impacto na imagem na empresa!

Plano de desenvolvimento intelectual dos funcionários e colaboradores. Não apenas o plano de treinamento padrão de realização dos serviços, mas de formação das pessoas em diversas Áreas.

Governança (Governance)

Composição e Independência de um conselho administrativo. Considerar ainda uma cadeira para liderar as questões de ESG e a diversidade nas cadeiras em geral. Nas empresas sem um conselho formado, buscar as mesmas considerações no time de executivos.

Implantar e treinar um código de ética e garantir sua perpetuidade. É importante que as pessoas conheçam e o entendam. Ser rígido no seu descumprimento é crucial.

Responsabilidade fiscal e combate à corrupção não é novidade. Temos exemplos recentes de seus impactos.

Garantir que nossos fornecedores tenham um alinhamento com nossa estratégia de ESG é fundamental para que, de alguma forma, possamos envolvê-los no tema.

Enviromental (meio ambiente)

Redução e compensação da emissão de gases estufa. Aqui temos o grande trunfo na logística. Veículos elétricos, a gás ou outros combustíveis que têm sido analisados. Essa implantação deve estar vinculada a estudos e monitoramentos específicos para não significar “investimentos em marketing” e serem classificadas como “custo” no curto prazo.

Facilitar e estimular a logística reversa. Buscar a implantação dos 4Rs (reduzir, reutilizar, reciclar e repensar). Parece óbvio em diversos setores, mas, em outros, como o da saúde por exemplo, não é tão trivial. Alternativas podem gerar oportunidade de novos produtos e serviços. Diminuir a geração de resíduos sólidos e criar um plano de gerenciamento de resíduos é obrigatório.

Atuar na criação do melhor modelo de embalagens junto aos fornecedores que respalde o processo em toda cadeia de suprimentos. Obter resultados de boa ocupação dos veículos, manipulação nos armazéns, reutilização das embalagens, facilidades na logística reversa etc. Utilização de unitizadores retornáveis como gaiolas ou rolteineres, dentre outros, deve estar no radar.

Utilização de energia renovável. Quando falamos em um dos principais ativos da logística – os galpões -, temos a oportunidade de utilização de painéis solares, muitas vezes em projetos “success fee”, fazendo com que não exista a necessidade de Capex (CAPital EXpenditure, que pode ser definida como despesas de capital ou investimentos em bens de capitais) caso seja um item impeditivo. Na Fenatran de 2022, a Randon apresentou carretas com painéis solares que devem aparecer no mercado em breve. Pode causar grande impacto no mercado de refrigerados inicialmente.

Uma coisa é certa: é para essa direção que o “jogo do ESG” está indo fazendo com que tenhamos que ajustar o nosso tabuleiro. Para ser efetivo, apenas se a alta direção liderar o tema de forma estratégica.

Em um mercado de margens baixas como o logístico, os embarcadores têm a responsabilidade de liderar a cadeia subindo a régua para o tema. Porém, garantindo saúde financeira aos seus fornecedores.

https://www.logweb.com.br/colunas/logistica-nos-padroes-do-esg/

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *